Daniele Perra
Licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais e mestre em Estudos do Médio Oriente
A destruição dos Nord Stream faz explodir o sonho alemão de se tornar o principal centro energético da Europa. Assim, parece absolutamente consubstancial ao projecto norte-americano de duplo confinamento russo-alemão
Façamos fé, por um momento, nos polacos e nos americanos e tomemos por verdadeira a tese de que foi a Rússia que sabotou os gasodutos, uma vez que está na moda pensar que os russos sabotam a si próprios (afinal de contas, já o fazem há mais de seis meses em Zaporíjia, de acordo com os mesmos meios de comunicação social que nos falaram de avós ucranianas que derrubavam drones com latas de polpa de tomate). Neste caso, a NATO deveria questionar-se seriamente sobre a forma como Moscovo conseguiu fazer explodir as infra-estruturas numa extensão de mar constantemente patrulhada pelos seus navios e na qual apenas há poucos dias se realizavam exercícios da Aliança com a utilização combinada de frotas e drones submarinos. Também nos deveríamos perguntar por que razão a Rússia poderia ter cometido um tal acto. Explodiu gasodutos que custaram milhares de milhões para não pagar penalizações pelo possível encerramento das torneiras? Para ver um aumento temporário de 10% no preço do combustível? Ou, como afirmou um soldado americano na Fox News (com desprezo pelo ridículo), fê-lo para provar que Putin é louco e, consequentemente, para tornar a ameaça nuclear credível (sic!)?
"A NATO deveria questionar-se seriamente sobre a forma como Moscovo conseguiu fazer explodir as infra-estruturas numa extensão de mar constantemente patrulhada pelos seus navios".
Infelizmente para estas teses, a Rússia quase nunca pensa em termos de curto prazo e ganharia pouco (nada) com a auto-sabotagem. Então, temos de nos perguntar: cui prodest? Quem, a longo prazo, irá substituir os fornecimentos russos? O gasoduto recentemente inaugurado que trará gás dos campos noruegueses desgastados para a Polónia (com uma capacidade de 1/5 da do Nord Stream 1 só)? Ou será o gás russo substituído por gás natural liquefeito (GNL) norte-americano caro e poluente? Pessoalmente, inclino-me para a segunda hipótese. Além disso, não deve ser ignorado o facto de que o "aviso da máfia" (um clássico norte-americano) veio numa altura em que a Alemanha se tinha recusado a enviar tanques para Kiev e ainda recebia fornecimentos russos, apesar do facto de o Nord Stream 1 ter sido bloqueado por trabalhos de manutenção (o 2 nunca entrou em funcionamento). Finalmente, considere que os outros gasodutos que trazem gás russo para a Europa passam pela Polónia e Ucrânia. A família Biden, como é bem sabido, tem tido historicamente interesses consideráveis na indústria de gás ucraniana (o filho do presidente dos EUA, Hunter, juntou-se ao conselho de administração da empresa Burisma em 2014 com um salário de 50.000 dólares por mês). Não só isso, a própria Ucrânia sempre temeu que o Nord Stream pudesse levar a uma redução das royalties devidos pela passagem de gás pelo seu território (uma parte significativa das receitas económicas de Kiev). A Rússia e a Alemanha pensaram em construir corredores de energia alternativa precisamente porque a passagem pela instável Ucrânia (entre 2006 e 2014), entre penalidades não pagas e gás literalmente roubado, fez com que Moscovo perdesse até 35 mil milhões de dólares.
Por último, mas não menos importante, a destruição dos Nord Stream faz explodir o sonho alemão de se tornar o principal centro energético da Europa. Assim, parece absolutamente consubstancial ao projecto norte-americano de duplo confinamento russo-alemão (de des-germanização da UE através da desconstrução do tecido industrial alemão e áreas afins, incluindo o norte de Itália) e à separação final da Rússia e da Europa (os dois gigantes do meio, um militar e outro económico-financeiro).
Imagem de capa por Amanda Graham sob licença CC BY-NC-ND 2.0
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
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