Numa altura em que o mundo se orienta e a Alemanha se posicionou decididamente ao lado dos Estados Unidos sem ter em conta outros interesses europeus, a França tem afirmado o seu distanciamento relativamente à Alemanha
A cimeira (franco-alemã) do Conselho de Ministros, que se realiza todos os anos desde 1963, foi cancelada para este ano e adiada para o princípio do próximo ano. O eixo da União Europeia, (suas duas mais fortes economias Alemanha-França), encontra-se em dissonância apesar da tentativa cosmética da visita do chanceler alemão a Paris (26.10); o encontro não teve sequer uma declaração final comum aos jornalistas.
Desagradou aos franceses o facto de a Alemanha ter, numa atitude isolada virada para ela mesma, deliberado um pacote de ajuda de 200 mil milhões de euros (1) para medidas contra o aumento dos preços do gás e da energia sem informar previamente o seu parceiro francês. Por outro lado, embora a França já esteja a trabalhar com a Itália no escudo de defesa antimíssil “Mamba”, a Alemanha assinou um novo projecto para criar um guarda-chuva comum de defesa aérea, (a chamada “European Sky Shield Initiative”), com cerca de uma dúzia de outros países – mas sem a França. A imprensa alemã informou também que Macron na cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da UE, anunciou planos para juntamente com Portugal e Espanha construírem um novo gasoduto para hidrogénio e, se necessário, entre Barcelona e Marselha, ao contrário dos planos da Alemanha. Por outro lado, não agrada à França a política de expansão da EU para leste que a Alemanha quer forçar, antes de uma reforma do funcionamento da EU! Também na guerra a desenrolar-se na Ucrânia há divergências entre Berlim e Paris.
Para a Europa, a coisa é mais séria do que parece porque a crise das relações franco-alemãs deve-se sobretudo às diferentes perspectivas politico-geográficas da Europa e dentro da Europa, diferenças estas (Norte e Mediterrâneo) simbolizada nos dois polos da Europa: Alemanha e a França.
Uma EU esgotada com a guerra geoestratégica na Ucrânia tem dificuldade em definir-se para poder encontrar um lugar de mais relevo no mundo! A Europa tropeça em si mesma num momento em que o mundo sem a intervenção dela será dividido entre Ocidente e Oriente.
O facto de a Alemanha se ter colocado ao lado dos EUA poderia ser interpretado como um acto desesperado de ter perdido o seu parceiro de interesses (Reino Unido) na EU e pelo facto de a Alemanha, militarmente ser propriamente uma base americana que no caso de um conflito atómico com a Rússia (que certamente não chegará a haver!) seria completamente destruída devido às 20 bases americanas no próprio terreno. Por outro lado, os Estados Unidos, de espírito saxónico, encontram no Reino Unido um aliado fiel dentro de uma Europa que interessa manter desunida e enfraquecida. De facto, a Alemanha, depois da sua reunificação, descuidou-se, e com ela a Europa, ao ajudar a construir o Cavalo de Tróia na Ucrânia onde se digladiam os interesses anglo-saxónicos americanos e os da Federação Russa.
Numa altura em que o mundo se orienta e a Alemanha se posicionou decididamente ao lado dos Estados Unidos sem ter em conta outros interesses europeus, a França tem afirmado o seu distanciamento relativamente à Alemanha, não aceitando o papel de liderança alemã.
A Alemanha com vinte centros militares americanos no próprio território está interessada em alargar a sua vizinhança para o leste. Por outro lado, também desagrada aos franceses o facto de a Alemanha estar mais interessada em comprar armas directamente aos americanos em vez de investir em projectos europeus.
De registo seria ainda o episódio do porto de Hamburgo onde o Cosco Group, com sede em Pequim, terá uma participação de 24,9% no terminal de contentores de Tollerort, em Hamburgo. No contexto em que nos encontramos, esta concessão indica ser mais um acto de enfraquecimento da Europa que pouco a pouco vai cedendo a tecnologia e o terreno à China, o que não rima com a ligação incondicional da Alemanha aos Estados Unidos. Pelos vistos uma no cravo e outra na ferradura!
A Europa, prendada pela natureza, embora sendo um centro minúsculo em termos de geografia global, conquistou as fronteiras do mundo, tornando-se no ponto de partida e de chegada de todo o mundo e agora politicamente aberta ao mundo encontra-se numa situação de ser absorvida pelo mundo.
A Europa, que tem uma irmã de sangue que é a Rússia, vê agora a sua filha América de volta a exigir-lhe que não pense em si mesma e que renegue a sua irmã. Deste modo, em termos históricos, a América deixa de ter a sua mãe como concorrente fazendo dela uma dependente. Sobre este impasse histórico terão muito que escrever os historiadores do futuro!
Proceda-se à desescalada (redução gradual dos recursos militares implantados) para se poder construir uma visão do mundo diferente. Precisa-se harmonia, mas sem que isso impeça a liberdade.
A União Europeia encontra-se dividia interiormente e por isso, embora não de coração, mas por realismo, vê-se inclinada ao comprometimento e solidariedade com os interesses dos Estados Unidos. De evitar será, porém, criar-se na Europa o grupo dos anglo-saxónicos contra o Mediterrâneo!
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
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