Pior ainda para os europeus e todos aqueles que tentam infligir uma "derrota estratégica" à Rússia é que a posição de Macky Sall reflecte realmente a abordagem real de toda a União Africana e dos seus países membros à crise no mercado alimentar
Por Oleg Pavlov
No dia 3 de junho, realizaram-se em Sochi conversações entre o actual presidente da União Africana, o presidente senegalês Macky Sall, e Vladimir Putin. Sall voou para a Rússia numa visita de um dia e apenas para se encontrar com o presidente russo. O chefe da Comissão da União Africana, M. Faki Mahamat, também voou com ele. Ele não viajou de avião para Kiev, como muitos tinham imaginado, mas regressou ao continente africano para participar nas actividades da associação de integração sub-regional da África Ocidental CEDEAO.
Ao sair da sala de negociações, Macky Sall disse que estava "acalmado e muito satisfeito com a troca de pontos de vista". Disse também que encontrou o presidente russo "empenhado e consciente de que a crise e as sanções estão a criar graves problemas para economias tão fracas como as de África".
Imediatamente após o final da visita, os meios de comunicação no Ocidente chamaram a esta visita "uma vitória diplomática de Putin", sem grandes explicações sobre o que se pretendia. Os observadores atentos, contudo, compreenderam imediatamente o que tinha acontecido. Não é, evidentemente, que um presidente africano solitário tenha voado para a Rússia, marcando assim o "isolamento" do nosso país proclamado pelo mundo ocidental como inexistente. Os próprios líderes ocidentais têm estado em contacto constante com o presidente russo, no que é ostensivamente conhecido como "cortar todos os telefones". O presidente francês admitiu francamente que desde o início da operação militar especial da Rússia na Ucrânia, a 24 de fevereiro, passou 100 horas em negociações com Vladimir Putin.
A razão por detrás da avaliação dos meios de comunicação social ocidentais como uma vitória diplomática para o presidente russo é completamente diferente. Consiste na política do Ocidente ser derrotado (porque se há vencedores, então também há perdedores). Primeiro, proclamar a Rússia como o culpado por detrás da fome que se avizinha no mundo, sobre a qual tanto tem sido escrito nos últimos meses, e ligá-la à operação da Rússia na Ucrânia. E, em segundo lugar, se não provocar uma fome em grande escala no planeta, então, pelo menos, lance este processo.
Nos últimos meses, os Estados Unidos e os seus satélites na Europa têm-se esforçado por provar aos africanos que a Rússia é um agressor e o culpado por ser impossível organizar a exportação de 20 milhões de toneladas de trigo da Ucrânia que é urgentemente necessária aos países em desenvolvimento, principalmente às nações africanas. O presidente russo, que tinha declarado anteriormente que isto não era verdade, na véspera da visita de Macky Sall, deu uma entrevista detalhada na qual mostrou a infundação das acusações contra Moscovo. Não vinte, mas apenas cerca de 5-6 milhões de toneladas podem ser exportadas da Ucrânia, o que não afecta o mercado mundial de cereais. No entanto, não existem obstáculos à sua exportação da Rússia, apesar de o Ocidente tentar fazer alusões ao contrário. Além disso, Vladimir Putin falou em pormenor sobre cinco formas de exportar cereais da Ucrânia, mas observou duas condições importantes: o levantamento das sanções contra a Rússia e a desminagem do Mar Negro na Região de Odessa por aqueles que o minaram - ou seja, pelos próprios ucranianos.
Mas a vitória diplomática de Putin não é apenas a persuasão dos argumentos de Moscovo, transformando em pó toda a propaganda anti-russa acusando a Rússia de "organizar uma fome". Mas também que os próprios africanos estão cada vez mais convencidos de que o objectivo dos EUA e da UE não é fornecer comida aos africanos, mas remover um concorrente extremamente inconveniente do continente africano. O próprio presidente senegalês mostrou dignidade e coragem para dizer publicamente que o principal problema hoje em dia não é a Rússia bloquear o fornecimento de cereais (Moscovo fornece até 30% das necessidades de África e a Ucrânia fornece até metade dos cereais), mas sim a presença de sanções contra os bancos russos, o seu isolamento do SWIFT, o boicote aos navios russos, a sua exclusão dos portos europeus, e a falta de vontade de os segurar. Começou a dizer isto mesmo antes da sua visita a Moscovo, quando falou perante a Comissão dos Negócios Estrangeiros e da Política de Segurança da UE, liderada pelo conhecido Josep Borrell, famoso pelas suas declarações anti-russianas e russofóbicas.
Pior ainda para os europeus e todos aqueles que tentam infligir uma "derrota estratégica" à Rússia é que a posição de Macky Sall reflecte realmente a abordagem real de toda a União Africana e dos seus países membros à crise no mercado alimentar. É aqui bem compreendido que o conflito ucraniano afecta o estado dos mercados alimentares, mas ao mesmo tempo, a principal razão para o seu crescimento é a própria política ocidental, impondo, de forma irreflectida e irresponsável, sanções abrangentes à Rússia.
Os líderes africanos não podem deixar de ver algo mais. Para além das alterações climáticas e das secas, que atingem, em primeiro lugar, o Corno de África e a região do Sahara/Sahel, existem mais problemas sistémicos. Consistem em condições extremamente desfavoráveis para a prestação de serviços financeiros pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional aos países africanos, inclusive para o desenvolvimento da agricultura: são taxas de juro elevadas e prazos curtos para a concessão de empréstimos a uma indústria onde as margens comerciais são baixas e o retorno é extremamente duvidoso num clima de mudança. O Ocidente, apesar das suas repetidas promessas aos países africanos de reformar o Banco Mundial e o FMI, não faz indulgências significativas para os africanos, uma vez que isso iria minar a sua dependência em relação a eles. Daí a histeria dos EUA e da UE relativamente à alegada culpabilidade da Rússia.
No entanto, é cada vez mais difícil culpar a saúde dos iniciadores da campanha anti-russa. Por conseguinte, precisamos de falar sobre a vitória diplomática do presidente Vladimir Putin. Essa é a verdade.
Imagem de capa por MONUSCO sob licença CC BY-SA 2.0
Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
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