Eduardo Jorge Vior

Eduardo J. Vior

Historiador doutor em Sociologia


Depois do almirante Craig Faller, a chegada a Buenos Aires de Juan Gonzalez e Julie Chung mostram que Washington se preocupa com a região, embora lhe falte uma concepção integrada


O director do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental, Juan Gonzalez e a subsecretária de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Julie Chung visitam a Colômbia, a Argentina e o Uruguai de 11 a 15 de abril. A Casa Branca informou que em Bogotá discutirão “a recuperação económica, a segurança e o desenvolvimento rural, a crise migratória venezuelana e a liderança climática regional da Colômbia”. Enquanto isso, na Argentina (onde chegaram na terça-feira 13) e no Uruguai os enviados “discutirão as prioridades regionais, incluindo a crise climática, a pandemia de COVID-19 e as ameaças à democracia, aos direitos humanos e à segurança”.

A administração Biden pretende reverter o distanciamento dos EUA da região, mas em vez de atender às nossas exigências económicas e sociais, fá-lo priorizando objectivos militares, diplomáticos e de segurança, ou seja, a competição com a China e a Rússia.

Juan Gonzalez nasceu em Cartagena, Colômbia, há 45 anos e chegou aos Estados Unidos quando tinha 7 anos de idade. Hoje ele é o mais próximo especialista de Biden na região. Ele entrou para o Departamento de Estado em 2004. Durante a administração de Barack Obama passou para o Conselho Nacional de Segurança, mas quando o seu mandato estava terminando, o então vice-presidente Biden chamou-o para trabalhar com ele na América Latina e desde então tem-no aconselhado sobre o assunto.

Em relação à Venezuela, Gonzalez concorda com Biden que Nicolás Maduro é um ditador e que Juan Guaidó deveria ser apoiado, mas (pelo menos declaradamente) ele não acredita em soluções violentas. De acordo com suas próprias declarações, escolheu Buenos Aires como sua segunda parada na região, porque “os EUA precisam de um interlocutor confiável” na região.

Enquanto isso, Julie Chung, uma diplomata de carreira, actua no momento como subsecretária de Estado para o Hemisfério Ocidental. Ela serviu anteriormente em várias missões na Malásia, Camboja e Colômbia. De origem coreana, Chung nasceu na Califórnia e entrou no serviço exterior em 1996.

Que a Casa Branca coloque a Argentina entre suas prioridades para a região não é uma coincidência. O retorno do peronismo ao poder em 2019, após o triunfo de López Obrador no México um ano antes, abriu as portas para uma possível mudança ideológica na região que continuou com o triunfo do MAS na Bolívia em 2020 e a eventualidade do retorno de Lula ao governo do Brasil. Neste contexto, a Casa Branca busca uma nova relação com nosso país.

Ao mesmo tempo, não é coincidência que na sua recente viagem pela região o ainda chefe do Comando Sul (assim que a confirmação do Senado chegar, ele será substituído pela tenente-general Laura Richardson), o almirante Craig Faller e agora Gonzalez e Chung tenham evitado o Brasil. Embora o ministro dos Negócios Estrangeiros, Ernesto Araújo tenha sido removido por ordem expressa do secretário de Estado Antony Blinken, os funcionários de Joe Biden continuam a evitar o contacto público com Jair Bolsonaro.

A estratégia continental dos Estados Unidos é parte de seu conceito global de Segurança e Defesa e só pode ser entendida nesse contexto. A 9 de abril, o Conselho Nacional de Inteligência (NIC, em inglês) divulgou seu relatório Global Trends – A more contested World (Tendências Globais – Um Mundo mais disputado). É um relatório e prognóstico sobre a situação mundial que a coordenação dos 16 serviços de inteligência do país entrega desde 1997 ao presidente eleito, antes da sua posse. Este ano, devido ao caótico período pós-eleitoral, ele só foi apresentado quando o governo já estava no poder e foi publicado no último no dia 8. Consequentemente, o planeamento estratégico foi atrasado, o que é evidente devido àpela acumulação de iniciativas descoordenadas. Precisamente, a função do The Global Trends é formular previsões para quinze anos, a fim de enquadrar as diferentes políticas sectoriais. Para compensar o tempo perdido, eles ousaram agora produzir um relatório com previsões para os próximos vinte anos.

O relatório começa com uma visão geral da situação criada pela pandemia, estima os riscos para a ordem mundial e estima o espectro de alternativas que podem apresentar-se em 2040. Fiel ao estilo de planeamento americano dos últimos 45 anos, a acumulação de dados e a segmentação da realidade substituem a análise causal. É notória a omissão de qualquer discussão de valores e visões de mundo. Sempre se parte de duas suposições:

a) os valores da democracia americana são universalmente válidos e

b) os Estados Unidos só podem ser culpados de algum desenvolvimento negativo por não terem sido suficientemente assertivos em sua responsabilidade para o bem da humanidade.

Quando o maior poder do mundo é governado pelo narcisismo e pela paranóia, a sua falta de sentido da realidade só pode levar ao desastre.

O documento está estruturado em torno de cinco temas: desafios globais (mudanças climáticas, pandemias, crises financeiras e perturbações tecnológicas); a dificuldade de enfrentar estes problemas devido à fragmentação do sistema internacional e dos próprios Estados; consequentemente, houve uma desproporção entre o tamanho dos desafios e ameaças, por um lado, e a capacidade dos Estados e instituições internacionais para resolvê-los, por outro; em quarto lugar, há uma crescente contestação e resistência à autoridade em todos os países, tornando difícil a acção dos governos e organizações internacionais; finalmente, este panorama obriga a um forte trabalho de adaptação em todos os níveis.

A partir daí, apontam as “forças estruturais” que estariam moldando os conflitos internacionais: o desenvolvimento demográfico, a crise ambiental, o aumento das dificuldades económicas e a aceleração do desenvolvimento tecnológico. Eles então tentam identificar a “dinâmica emergente” social, estatal e internacional. Finalmente, esboçam o que vêem como os cenários alternativos possíveis para 2040: o “renascimento das democracias”, “um mundo à deriva”, “uma coexistência competitiva entre sistemas”, “um mundo fragmentado” em blocos económicos e militares ou “uma mobilização global” em reacção à tragédia.

Ao avaliar o relatório, a falta de congruência e articulação de raciocínio, a ausência de autocrítica (daí a ausência omissão de propostas de reforma do próprio sistema) e a consideração positiva de outras iniciativas que não as próprias é óbvia. Todas as outras iniciativas são qualificadas como erróneas ou mal-intencionadas e as más intenções -apóstrofe- são sempre dirigidas contra os Estados Unidos. A consequência automática é que toda situação crítica é imediatamente percebida como um perigo para a segurança nacional da superpotência. A política e a diplomacia são então subordinadas às exigências de um único objectivo: a supremacia global.

Coerentemente com esta matriz de pensamento, no seu relatório de gestão, apresentado em 16 de março passado ao Senado, o almirante Faller enfatizou várias vezes a necessidade “urgente” de intervenção dos Estados Unidos no continente contra o aproveitamento que a Rússia, a China e o Irão estariam fazendo da crise migratória, ambiental, sanitária e económica que cria (assim afirmou) o terreno fértil para o aumento do tráfico de drogas, da corrupção e do desgoverno na maioria dos estados da região. Por esta razão, ele aponta estas crises como ameaças estratégicas a serem combatidas, se quisermos evitar que “potências estrangeiras” aumentem sua influência sobre o continente e ponham em risco a segurança dos Estados Unidos.

A administração de Joe Biden quer recuperar o controle do continente americano, mas carece de uma política coerente. Teve alguns sucessos, mas agravou a crise migratória na fronteira com o México, não escapa à solução militar para o conflito venezuelano que a narco-direita colombiana lhe impõe, e falta-lhe força para competir com a Rússia e a China na “diplomacia das vacinas”. Finalmente, apesar da dissolução nacional do Brasil servir as suas corporações financeiras, não tem ideia de como administrar politicamente o desastre que a própria Washington causou. Entre a falta de conceitos integrativos e a tentação da força, os Estados Unidos dão todos os sinais de caminhar para uma política errática para a América Latina e o Caribe. Washington é parte dos nossos graves dramas, não um meio de superá-los.


Fonte: Blog de Eduardo J. Vior


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