A Austrália, que actualmente não possui armas nucleares, teria acesso às toneladas de urânio altamente enriquecido necessárias para construir submarinos nucleares

Por Petr Konovalov


Até à data, as relações EUA-China têm-se deteriorado constantemente. Uma das razões para o arrefecimento das relações entre os dois países é a crescente ambição de Pequim de ganhar o controlo da região do Pacífico Sul, enquanto Washington pretende frustrar o crescente poder militar e económico da China. Para manter a sua posição actual na região, os líderes dos EUA estão a reforçar a cooperação em matéria de defesa com a Austrália, que por sua vez se opõe a que a China alcance a hegemonia regional.

A aliança de defesa AUKUS, formada em Setembro de 2021 e composta pelos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, concentra-se em contrariar o crescimento da influência da China no Pacífico Sul e em mostrar às autoridades chinesas que Washington está disposta a afirmar os seus interesses na região, tanto por si só como através dos seus aliados.

Pouco depois de aderir à AUKUS, a Austrália cancelou um acordo anterior com a França para a aquisição de submarinos movidos a energia nuclear. Isto porque os Estados Unidos, citando os termos da recém-formada aliança de defesa, declararam que os participantes no acordo tripartido tinham o direito de construir os seus submarinos nucleares, e assim transferiram as tecnologias relevantes para o lado australiano.

A Austrália, que actualmente não possui armas nucleares, teria acesso às toneladas de urânio altamente enriquecido necessárias para construir submarinos nucleares. Segundo alguns peritos, isto garantirá que a Austrália adquira urânio suficiente para desenvolver mísseis nucleares. Se isto acontecer, a antiga potência não nuclear tornar-se-á uma potência nuclear sem qualquer supervisão internacional e sem a assinatura dos acordos relevantes.

Pela primeira vez em 50 anos, os EUA estão a dar a outro país acesso à sua tecnologia submarina. O primeiro país a receber desenvolvimentos americanos foi a Grã-Bretanha. Agora Washington está a partilhar a sua tecnologia com a Austrália. Se Camberra conseguir colocar um submarino nuclear em serviço, juntar-se-á à lista de países que utilizam submarinos nucleares, tornando-se proprietário de uma das forças navais mais poderosas do mundo.

É muito importante notar que a parceria trilateral AUKUS sobre submarinos nucleares é o primeiro caso registado na história mundial de dois países com acesso a armas nucleares a transferir abertamente urânio enriquecido para um Estado que não possui um arsenal nuclear. Tal acontecimento sem precedentes ameaça as normas estabelecidas do direito internacional e agrava as tensões internacionais.

Naturalmente, um tal desenvolvimento só pode preocupar a China, pois corre o risco de entrar em conflito com um país que não simpatiza com as políticas de Pequim e está relativamente próximo das fronteiras da China. Para evitar isto, os diplomatas chineses estão a trabalhar para impedir a transferência de tecnologias de enriquecimento de urânio para a Austrália, falando contra ela em várias organizações internacionais.

A 13 de setembro de 2022, Wang Qun, representante permanente da República Popular da China no gabinete da ONU em Viena, afirmou que a transferência de urânio altamente enriquecido pelo lado americano para a Austrália é contrária ao actual regime de não-proliferação nuclear, violando assim o direito internacional. O diplomata salientou que a resolução de tais questões é da jurisdição da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) e do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Contudo, segundo o representante da RPC, as acções do AUKUS contribuem para a proliferação de armas nucleares no mundo, em violação da Carta da AIEA.

No mesmo dia, o representante oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning, apelou à AIEA para ser tão neutra, profissional e objectiva quanto possível em relação às decisões do AUKUS no domínio da construção de submarinos nucleares.

Mao Ning afirmou que o director-geral da AIEA Rafael Grossi apresentou o relatório de segurança da AIEA sobre a AUKUS ao conselho de administração da organização internacional a 9 de setembro de 2022, acrescentando que foram realizadas consultas sobre questões técnicas entre os estados membros da Aliança e a AIEA.

Mao Ning expressou o seu apreço pela decisão do chefe da AIEA de iniciar um diálogo com AUKUS e, subsequentemente, preparar um relatório sobre o mesmo. Contudo, o representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês manifestou a sua preocupação quanto ao conteúdo deste relatório. O diplomata chinês está convencido de que a ausência de referências à preocupação da comunidade mundial com a possível proliferação de armas nucleares como resultado das acções do AUKUS neste documento é um mau sinal. Mao Ning salientou que a AIEA não presta a devida atenção à posição oficial de muitos estados de que a política de AUKUS viola descaradamente o TNP, desestabiliza a situação na região, e não respeita as exigências de outros países. Salientou também que problemas desta magnitude deveriam ser resolvidos por todos os estados membros da AIEA como parte de uma discussão geral.

Por sua vez, a retórica dos representantes da AIEA foi menos dura. A 12 de setembro de 2022, Rafael Grossi disse que classificou positivamente o diálogo com a AUKUS. Segundo o director-geral da AIEA, a interacção entre a organização que lhe foi confiada e AUKUS irá continuar de modo a que os países membros da aliança cumpram as suas obrigações declaradas de cumprir o direito internacional de segurança. Grossi disse que a AIEA fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir a proliferação nuclear.

Este não é o primeiro caso recente de Washington não ter considerado os interesses de outros países e o direito internacional. A 3 de agosto de 2022, a oradora da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, sem coordenar as suas acções com Pequim, visitou Taiwan, um território internacionalmente reconhecido da China controlado pela não reconhecida República da China. Ao agir com desdém para com o lado chinês, os EUA demonstraram o seu desejo de ser uma potência que joga segundo as suas próprias regras.

A economia chinesa está a crescer ano após ano, e o número de países amigos de Pequim continua a crescer, enquanto que a participação dos Estados Unidos na política mundial está a diminuir. As decisões assertivas de Washington evocam a hostilidade entre muitos membros da comunidade mundial. Mais cedo ou mais tarde, os líderes americanos terão de repensar o seu padrão de comportamento, uma vez que será mais fácil para a China resistir à expansão americana.

Imagem de capa por IAEA Imagebank sob licença CC BY 2.0

Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook

Siga-nos também no Youtube, Twitter, Facebook, Instagram, Telegram e VK

geopol.pt

Leave a Reply

error: Content is protected !!

Discover more from geopol.pt

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading