Ricardo Nuno Costa

Editor-chefe GeoPol


Os dez estados da ASEAN, juntamente com cinco parceiros da região mais vasta do Indo-Pacífico (Austrália, China, Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia), terminaram esta quarta-feira as negociações para a Parceria Económica Global Regional (RCEP nas suas siglas em inglês). A conclusão das negociações encerra uma série de conversações que duraram cerca de oito anos.

Desta forma espera-se que este domingo, dia 15, seja ratificado em Hanói, no Vietnam, o maior acordo de livre comércio da história, ultrapassando a Área de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA), em todos os seus números e dimensões.

O papel da China

Introduzida em 2011, a RCEP foi promovida por Pequim a partir de 2012, a fim de contrariar o outro acordo de comércio livre que se encontrava em fase embrionária, a Parceria Trans-Pacífico (TPP), liderada pelos EUA de Obama, que excluíra a China do seu projecto.

Contudo, em 2017, o então recentemente eleito presidente dos EUA, Donald Trump, retirou-se da TPP e abriu a possibilidade à China de voltar a liderar a integração económica asiática, com a RCEP a tornar-se no seu principal instrumento.

A jogatana de Trump não só trouxe o Japão e a Coreia do Sul para uma inédita relação de proximidade com Pequim, como também interligou a RCEP à nova e alargada TPP, a partir de 2018 CPTPP, que tem agora no Japão o seu principal impulsionador e que chega até o Canadá, México, Chile e Peru.

A RCEP representa um mercado potencial de 2,2 mil milhões de pessoas, com um PIB combinado de 26,2 biliões de dólares ($26.2 trillion), representando 30,2% da economia e 27,4% do comércio globais, segundo os dados do FMI e do Banco Mundial. É maior acordo de livre comércio da história.

Qual é o objectivo da RCEP?

A Parceria é um projecto de integração da região do Indo-Pacífico, que visa reduzir as tarifas internas, impulsionar o investimento e permitir circulação livre de mercadorias e serviços entre os seus estados membros.

É um acordo crucial para acelerar o crescimento das economias da região, uma vez que estas procuram reconstruir as ligações cortadas pela actual crise sanitária do Covid-19.

A implementação do RCEP depende agora da ratificação de seis dos estados membros da ASEAN e as actuais negociações centram-se no comércio de bens e serviços, investimento, propriedade intelectual, resolução de litígios, comércio electrónico, pequenas e médias empresas e cooperação económica.

Por seu turno, a consecução deste projecto poderá representar uma desvantagem para as empresas americanas e outras multinacionais de fora da zona, em particular depois dos EUA se terem retirado da TPP.

A retirada da Índia

Em novembro de 2019 a Índia decidiu não assinar a adesão ao acordo, alegando a defesa de alguns sectores da sua economia que dizia perigarem. Narendra Modi acusou então o acordo de não reflectir "a sua intenção original" e que o resultado "não é justo ou equilibrado".

Citando as diferenças sobre tarifas e outras barreiras, e após protestos dos agricultores que temiam uma inundação de importações baratas da China, Austrália e Nova Zelândia, o primeiro-ministro indiano abandonou o projecto.

As pressões de Washington e as disputas fronteiriças no Ladakh com a China também terão pesado na decisão de afastar-se da RCEP e sofreu com isso grande contestação dos sectores industriais do país.

Dúvidas

O acordo levanta as muitas reticências inerentes a estes processos supra-nacionais. A Austrália é o país mais rico dos signatários, com um PIB nominal per capita de mais de 55.000 dólares, enquanto o Camboja é o mais pobre, com apenas 1.300 dólares anuais por pessoa. Estes enormes desníveis entre as partes, as diferenças nas políticas fiscais, nos hábitos culturais e nas estruturas industriais de cada país, fazem temer que o projecto seja demasiado ambicioso para funcionar numa base equitativa que garanta o bom funcionamento a longo-prazo.

Carecendo de disposições de protecção dos direitos dos trabalhadores,
o sector primário (a agricultura e as pescas), poderão ser as maiores vítimas do mercado aberto, que reduzirá as tarifas dos produtos agrícolas. Este passo terá definitivamente consequências para os pequenos produtores, a perda de milhares de empregos, o encerramento de pequenas empresas, a flexibilização laboral e a concentração de capital, algo muito próprio do liberalismo económico que tão bem conhecemos na nossa Europa.

Uma nova realidade

Não obstante, é importante salientar que a RCEP não é tratado qualquer, mas sim um mega-acordo multi-lateral preparado durante anos. Com todas as críticas que se lhe possa apontar, consubstancia no papel uma realidade que no Ocidente se preferiu restar significado: que o poderio económico mundial reside agora no Oriente.

Como portugueses devemos aceitar esta realidade inexorável e reservar o nosso espaço neste novo mundo multi-polar para assegurar os nossos interesses e não ceder a delírios de sabotagem.◼

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ByRicardo Nuno Costa

Editor-chefe da GeoPol, é um jornalista português licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, com estudos posteriores em Comunicação Política. Estagiou política internacional no DN, em Lisboa e trabalhou durante anos em meios digitais em Barcelona.

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