Ricardo Nuno Costa
Editor-chefe GeoPol
Estará Washington finalmente a considerar descartar o seu apoio à Ucrânia?
A grande imprensa alemã parece só agora despertar para o caso dos atentados ao Nord Stream, quase seis meses após o atentado. Agora, que o New York Times publica uma típica peça de contra-informação e de gestão de danos encomendada desde cima, expedida imediatamente na sequência da misteriosa viagem do chanceler Scholz à Casa Branca, da qual ninguém sabe o conteúdo. Muitas coisas se estando passando por trás da cortina, para o qual só podemos especular, no entanto há factos incontornáveis e suspeições pertinentes.
O artigo acusa um «grupo pró-ucraniano» do «ataque descarado aos gasodutos que ligam a Rússia à Europa Ocidental», citando «funcionários dos EUA» não identificados.
Para um cidadão mais ou menos atento isto é um insulto à inteligência. Arrogam-se os autores de que «os relatórios [acedidos] constituem a primeira pista significativa conhecida sobre quem foi responsável pelo ataque», irrelevando todas as evidências descortinadas anteriormente e sacudindo de facto para a Ucrânia as responsabilidades da Noruega, do Reino Unido, e sobretudo daquele que todos os especialistas dizem ser o único país no Ocidente com a capacidade técnica para uma operação de sabotagem daquela envergadura, os Estados Unidos. Bastante conveniente, certo?
Chama-me a atenção que é a primeira vez que no Ocidente se use o termo «pró-ucraniano» de forma claramente depreciativa, que associa a Ucrânia (não só o seu governo) à falta de seriedade e a um status quase não-estatal. Através dos milhões de títulos noticiosos que se replicam em todo o mundo, o NYT incorpora um novo truísmo que relega Kiev a uma posição imprópria do apoio da maior potência mundial.
Estará Washington finalmente a considerar descartar o seu apoio à Ucrânia? Terá já logrado os seus objectivos estratégicos em relação a este episódio, com uma Europa completamente submetida aos seus desígnios, podendo agora mover o seu foco para a região Ásia-Pacífico?
A peça diz ainda que «a Ucrânia e os seus aliados têm sido vistos por alguns oficiais como tendo o mais lógico motivo potencial para atacar os gasodutos. Há anos que se opõem ao projecto, chamando-lhe uma ameaça à segurança nacional porque permitiria à Rússia vender gás mais facilmente à Europa.» Ora exactamente as mesmas acusações que se fazem a Washington com muitíssima mais pertinência e sustento. De novo uma asserção muito conveniente para os EUA, e sobretudo para Joe Biden, de escapar de um grande embaraço com a Alemanha, um dos seus maiores aliados, jogando para os ucranianos as responsabilidades e a má fama com a qual ficarão associados na opinião pública europeia e alemã. Uma especie de saída airosa de uma operação mal pensada, lançando uma vez mais europeus contra europeus, essa velha artimanha anglo-saxónica.
No entanto, julgo que este caso não está acabado. Se o governo alemão não tem interesse ou não pode destapar a responsabilidade da destruição daquela sua infraestrutura crítica dada a sua submissão total a Washington, já grande parte da opinião pública do país simplesmente não aceitará este insultuoso artifício. E muito menos a Rússia deixará este episódio cair no esquecimento e impunidade. Isto ainda vai dar que falar.
Em todo o caso, a guerra está num ponto de inflexão. Parece que Washington compreendeu que os objectivos de Zelensky de reconquistar o Donbass e a Crimeia são uma fantasia inviável, e uma saída negociada neste momento poderia permitir salvar a cara de todas as partes. A outra opção é a dobragem da aposta de Biden e uma escalada muito perigosa, com o perigo real de internacionalização da guerra e a entrada de países da NATO, da Bielorrússia e do apoio oficial da China a Moscovo.
A peça não diz nada, nenhuma alegação tem mais valia que as peças anteriores que apontam os EUA como responsável daquele atentado, simplesmente adiciona novos axiomas bastante convenientes à agenda de Washington desde a posição que um dos maiores e mais influentes meios de comunicação mundiais lhe confere. A informação (e sobretudo a desinformação) jogam um papel inestimável em qualquer conflito. E neste, a um nível maior que em qualquer guerra anterior.
Imagem de capa por Official U.S. Navy Page sob licença CC BY 2.0
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
Siga-nos também no Youtube, Twitter, Facebook, Instagram, Telegram e VK
- A intentona da Rússia e os distúrbios de França - 6 de Julho de 2023
- Grande entrevista ao Comandante Robinson Farinazzo - 24 de Junho de 2023
- Entrevista Embaixador Henrique Silveira Borges - 13 de Maio de 2023