A formação de um novo governo está agora em aberto, com Björn Höcke, constantemente demonizado pela imprensa do sistema como um «radical» e «perigoso antissemita», em posição de vantagem
As eleições estaduais na Turíngia não surpreenderam em relação àquilo que aqui já fora a avançado há mais de um mês. O eleitorado não acedeu ao repetido apelo dos partidos tradicionais ao boicote à AfD e a extrema-direita ganhou de forma inequívoca, com 32,8%. Apesar de se tratar de um pequeno estado de dois milhões de habitantes, os resultados são muito significativos, pois vêm abalar o sistema de coligações partidárias na República Federal de forma inédita, a um ano das eleições legislativas.
Outro sinal de alerta para a classe política de Berlim foi a entrada da Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) – também de cariz populista e soberanista, mas mais à esquerda –, com 15,8%. Um resultado que beneficiou da queda estrondosa do Die Linke, partido que governou o estado nos últimos 10 anos com o apoio do SPD e os Verdes, com particular coação sobre os cidadãos durante os tempos da pandemia. Com os liberais do FDP, SPD e Verdes consomaram o desastre anunciado do “semáforo” neste escrutínio. Juntos, os três partidos da coligação governamental federal mal somaram uns míseros 10% totais.
O ato eleitoral tem também um significado maior se atendermos ao facto de se tratar da primeira grande vitória da extrema-direita alemã a um tão alto nível desde 1933, precisamente naquela região a leste do Elba, que o historiador britânico James Hawes em “The Shortest History of Germany”, considera ser o verdadeiro berço do nacional-socialismo.
A formação de um novo governo está agora em aberto, com o líder nacionalista Björn Höcke, constantemente demonizado pela imprensa do sistema como um “radical” e “perigoso antissemita”, em posição de vantagem para negociar uma coligação ou formar governo em minoria, que será previsivelmente fraco devido ao “Brandmauer” (muro de fogo) importo pelos partidos do sistema.
Veremos que consequências terá isto para a política alemã no seu conjunto. A janela de Overton abriu-se à direita e a divisão na CDU já é grande a nível nacional. Os democratas-cristãos estão agora num dilema que pode abrir fendas internas. Uma parte anda pendente do discurso da AfD, sobre o tema da imigração por exemplo e apela ao diálogo com um partido que não deixa de ser conservador e de direita como a CDU, e outra vive ancorada acriticamente no legado dos anos idos de Angela Merkel e suas políticas de portas abertas.
A espectro de uma aliança entre a AfD e a BSW, que teria de contar com a participação de uma das formações minoritárias, seguramente com os 1,3% dos regionalistas dos Freie Wähler (Votantes Livres) e os 0,6% dos direitistas da Werte Union (União dos Valores) para conseguir fazer um governo maioritário, é ainda mais assustador para o regime. Seria a consubstanciação da ‘Querfront’ (frente transversal) e ditaria um ponto de viragem na política alemã desde 1945.
Outra opção que se fala seria uma coligação CDU-BSW, mas seria um nado-morto. O líder nacional da CDU, Friedrich Merz, já se referiu ao partido de Sahra Wagenknecht há uns meses como uma “mistura muito perigosa entre extrema-esquerda e extrema-direita” e rejeitou quaisquer alianças. Mas como também excluiu categoricamente uma coligação com a AfD, agora está num beco sem saída, uma vez que os votos do SPD, Verdes e liberais são irrisórios.
Independentemente do governo que se venha a formar em Erfurt, um dado é incontornável: uma maioria significativa de mais de 60% do eleitorado da Turíngia votou nos partidos (AfD, BSW, Die Linke, Freie Wähler) de protesto. É muito sintomático.
Na vizinha Saxónia (quatro milhões de habitantes), que também foi a votos no passado fim de semana, a CDU manteve a sua posição dominante praticamente igual (31,9%). Os democratas-cristãos têm governado o estado desde a reunificação da Alemanha, ora sós, ora em coligação, como nos últimos quarto anos (com Verdes e SPD), com também particular mão dura durante a crise da Covid-19. Aqui, a AfD também subiu significativamente (de 27,5% para 30,6%), aproximando-se da CDU, enquanto a estreante BSW conseguiu 11,8%. Todos os outros partidos foram castigados pela situação económica atual do país, à qual se os associa.
Desta forma, não só na Turíngia, como na Saxónia, a população decidiu votar maioritariamente nos partidos fora do consenso de Bruxelas. Não é por acaso. A percepção popular da queda do nível de vida, da desindustrialização, da insegurança social e a falta de perspetivas futuras tem decidido em grande medida os últimos atos eleitorais no país. O envolvimento de Berlim no conflito na Ucrânia tem sido um fator-chave para o desenrolar desta tendência.
É prematuro falar em separatismo, mas a clara divisão ideológica entre leste e oeste, que se faz visível nos resultados eleitorais, pode abrir uma brecha também de âmbito geográfico, entre aquilo que era a RDA e o resto do país. A sensibilidade dos alemães de leste para temas como a relação com a Rússia, a aversão à tecnocracia de Bruxelas, à NATO, à imigração, ao multiculturalismo e o modelo neoliberal, aproxima também a Turíngia e a Saxónia geopoliticamente da Hungria, da Sérvia e da Eslováquia, atualmente mais alinhadas com o nascente mundo multipolar. Semelhantes movimentações políticas de grande expressão também se verificam na Baviera, Áustria, República Checa, Croácia, Eslovénia e Norte de Itália. Pode-se falar de uma renovada sinergia entre os territórios que formavam o Império Austro-Húngaro há pouco mais de 100 anos, que não pode ser só coincidência e que não terá somente a a ver com a atual situação na Ucrânia.
Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
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