A indefinição da política externa e algumas expressões ideológicas semeiam dúvidas sobre a autonomia do nosso país em relação aos capitais financeiros e extrativistas dos EUA
A campanha eleitoral argentina que acaba de terminar foi desde o início um tema central na agenda das grandes potências. Não podia ser de outra forma: o nosso país, com a oitava maior superfície do mundo, entre dois oceanos e às portas da Antárctida, possui uma enorme riqueza em minerais estratégicos, gás, água, alimentos e uma população altamente qualificada. É uma arena central na luta pelo poder mundial. É por isso que os principais líderes mundiais acompanharam de perto a luta eleitoral e jogaram as suas fichas a favor de um ou de outro candidato. Os principais beneficiários estrangeiros do resultado de domingo passado não são, no entanto, os governos, mas os actores políticos e empresariais da direita americana.
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No domingo à noite, Elon Musk foi a primeira figura internacional de relevo a felicitar Javier Milei. Musk utilizou a sua rede social X, comentando um post na conta EndWokeness que afirmava: “Grande merda, a Argentina acaba de eleger Javier Milei como o seu próximo presidente. Hoje fez-se história na Argentina”.
Pouco depois, o próprio Trump veio felicitar Milei, publicando na sua rede social Truth “MAKE ARGENTINA GREAT AGAIN! E acrescentou: “Parabéns a Javier Milei pela sua excelente candidatura à presidência da Argentina”. Também o antigo conselheiro de Trump na Casa Branca e promotor do podcast War Room, Steve Bannon, celebrou a vitória da extrema-direita. “A direita libertária ganha contra todas as probabilidades na Argentina. Os globalistas fizeram tudo o que podiam para ganhar”, escreveu o chefe da Internacional Direitista no Getter, a rede social do trumpismo. Elon Musk, dono da Tesla, a maior fabricante de veículos elétricos do Ocidente, apoia a campanha eleitoral do libertário há pelo menos três meses.
Para além de Donald Trump e Elon Musk, a relação internacional mais importante de Javier Milei é com o fundo de pensões BlackRock, com uma carteira de dez mil milhões de dólares, de longe a maior do mundo. O fundo dirigido por Larry Fink não só possui títulos de dívida locais, como também acções da YPF, Bunge, Glencore e Livent, entre outras. Por outras palavras, activos energéticos, alimentares e minerais, as três componentes que serão mais procuradas no mundo nos próximos anos. Após a desvalorização abrupta do dólar, com uma Argentina barata, o fundo poderia ter os principais recursos do país mais ao seu alcance. A ligação direta entre Milei e BlackRock é feita através de Darío Epstein, representante deste fundo na empresa Pampa Energía.
Sem dúvida, o presidente eleito não era o favorito da Casa Branca. A administração democrata tinha apostado em Sergio Massa. O Departamento de Estado considera que Javier Milei faz parte da família da ultradireita internacional, juntamente com Jair Bolsonaro, Donald Trump, Santiago Abascal (do espanhol Vox), o colombiano Iván Duque, o mexicano Felipe Calderón, o salvadorenho Nayib Bukele e o chileno José Antonio Kast, todos apadrinhados pelo Prémio Nobel Mario Vargas Llosa. Esta apreensão foi manifestada na segunda-feira nas felicitações condicionais do conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, ao novo presidente: “Felicito Javier Milei pela sua eleição como presidente da Argentina e o povo argentino por ter realizado eleições livres e justas”, disse o braço direito do presidente dos EUA, Joe Biden. “Esperamos construir a nossa forte relação bilateral baseada no nosso compromisso comum com os direitos humanos, os valores democráticos e a transparência”, acrescentou. Estes são precisamente três dos temas mais polémicos da relação entre o ocupante da Casa Branca e o futuro inquilino de Olivos. Por volta da meia-noite, chegou uma declaração do secretário de Estado Antony Blinken. O estratega de política externa de Biden respondeu à mensagem de Sullivan, com um acrescento à agenda comum: as alterações climáticas.
Já durante a campanha eleitoral, a futura ministra dos Negócios Estrangeiros, Diana Mondino, tentou, sem sucesso, relativizar esta desconfiança. O facto de Donald Trump e Elon Musk se terem apressado a saudar a vitória de La Libertad Avanza não contribui certamente para melhorar esta ligação. Os democratas, pelo contrário, optaram pelo silêncio.
Outro que teve de conter a sua consternação foi o presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, que saudou a eleição da seguinte forma: “A democracia é a voz do povo e deve ser sempre respeitada. Desejo boa sorte e sucesso ao novo governo. A Argentina é um grande país e merece todo o nosso respeito. O Brasil estará sempre disponível para trabalhar em conjunto com nossos irmãos argentinos”. Por sua vez, o ministro da Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, disse na segunda-feira que Lula só falará com Milei quando ele pedir desculpas. Evidentemente, as águas do Paraná são turvas.
Além do Brasil, os governos da Rússia, Índia e China também enviaram mensagens oficiais ao vencedor. A China felicitou o presidente eleito na segunda-feira e garantiu que quer continuar a trabalhar com o país. A China quer “trabalhar com a Argentina para continuar a amizade” entre os dois países e para uma “cooperação em que todos ganham”, disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Mao Ning.
Entretanto, o porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, disse na segunda-feira que a Rússia seguiu as declarações feitas por Milei durante a sua campanha eleitoral, mas adoptará a respectiva posição de acordo com o que o novo chefe de Estado disser após a sua tomada de posse. Além disso, Peskov sublinhou que Moscovo respeita a escolha do povo argentino. O porta-voz apelou também a um maior desenvolvimento das relações bilaterais.
Para além de o felicitarem por ter ganho as eleições, os quatro países apelaram ao futuro presidente para manter os laços diplomáticos e comerciais. Segundo as notícias, Javier Milei cumprirá a sua promessa de retirar a Argentina dos BRICS, mas os funcionários chineses questionados sobre este assunto declararam anonimamente que não tinham qualquer informação sobre o assunto.
Como era de esperar, o antigo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o líder do grupo de extrema-direita espanhol Vox, Santiago Abascal, felicitaram o candidato presidencial do La Libertad Avanza pela sua vitória nas urnas. “A esperança volta a brilhar na América do Sul”, escreveu Bolsonaro na sua conta X. E acrescentou: “Parabéns ao povo argentino pela sua vitória com Milei”. Por seu lado, o direitista espanhol disse esperar que os “bons ventos cheguem aos Estados Unidos e ao Brasil”, para que “a honestidade, o progresso e a liberdade regressem”. “Viva a Espanha, viva a Argentina, vivam livres do socialismo e soberanas”, concluiu.
Na segunda-feira, o presidente eleito disse a uma rádio pró-governamental que fará uma “viagem espiritual” aos Estados Unidos para visitar alguns amigos rabinos e, de lá, a Israel, antes de tomar posse em 10 de dezembro. O presidente eleito pretende fazer negócios com a comunidade neo-liberal ortodoxa Lubavitch. Segundo o presidente, a viagem tem uma conotação religiosa.
Após a derrota do Brasil em 2022, a vitória de Javier Milei é vista pelos sectores mais radicalizados da direita ocidental como o seu próprio triunfo. No entanto, o presidente eleito ainda não definiu a sua política externa e as suas contradições com a futura ministra dos Negócios Estrangeiros Diana Mondino prenunciam muitos altos e baixos, uma vez que ele é a favor de um alinhamento ideológico e financeiro quase exclusivo com os EUA e Israel, enquanto ela aspira a manter relações com todos os países para os quais a Argentina pode exportar produtos primários. Se tivermos em conta os interesses claros e direccionados de Elon Musk no lítio, da BlackRock em Vaca Muerta e em todo o sector primário, e de certos capitais israelitas nos serviços e na hotelaria, a falta de precisão ameaça deixar o nosso país à deriva no meio de uma era global em mudança. Ter uma política externa significa adaptar os princípios básicos da política externa argentina desde o início do século XX até aos dias de hoje, estabelecer objectivos práticos e exequíveis e ser flexível na seleção de parceiros, aliados e amigos. Tudo isto está a faltar.
Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook
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