No entanto, uma das consequências mais desagradáveis dos próximos jogos nucleares que estamos a discutir é o facto de a Índia vir certamente a juntar-se à corrida
Registou-se um acontecimento importante nas relações entre os EUA e a China. De 27 a 29 de agosto deste ano, Jacob Sullivan, conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, visitou a China. Esta figura política é a segunda pessoa mais responsável nesta esfera de atividade do Estado. Por conseguinte, não é surpreendente que este acontecimento também se tenha tornado significativo para a atual fase de desenvolvimento do “Grande Jogo Mundial”.
Observações introdutórias
Esta é a primeira visita de um político americano nos últimos oito anos e teve lugar a convite de Wang Yi, membro do Politburo do Partido Comunista Chinês e ministro dos Negócios Estrangeiros da China. É de salientar que este é o quarto encontro entre estes dirigentes no período compreendido entre maio de 2023 e os dias de hoje. Estas reuniões demonstram o interesse dos dois líderes em manter abertas as linhas de comunicação bilateral.
Pouco antes do início das conversações, o jornal chinês Global Times informou que existem mais de 20 “mecanismos de diálogo” diferentes através dos quais as partes podem discutir quase toda a gama de questões emergentes. Na escala de importância dos acontecimentos recentes, podemos colocar com segurança o “mecanismo” de contactos entre J. Sullivan e Wang Yi no rescaldo imediato da reunião entre os dois líderes.
Em setembro de 2023, tiveram lugar em Malta conversações entre Jacob Sullivan e Wang Yi. O objetivo das conversações era discutir o estado dos preparativos para a reunião entre Joe Biden e Xi Jinping. A reunião dos líderes teve lugar dois meses mais tarde, em São Francisco. Em janeiro de 2024, teve lugar em Banguecoque outra reunião entre J. Sullivan e Wang Yi. Desta vez, discutiram a complexa situação na sub-região do Sudeste Asiático, que, juntamente com Taiwan, se está a tornar a zona mais “quente” de todo o sistema de relações bilaterais.
Analisando tudo o que se está a passar, pode dizer-se que, do lado americano, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, está encarregue de trocar sinais com o principal adversário geopolítico a nível de “trabalho”. No entanto, chegou o momento de estes funcionários efectuarem uma “auditoria intercalar” ao estado de todo o sistema de relações bilaterais. Tanto mais que há poucos indícios de um desempenho positivo dos “20 mecanismos”. Os mais notáveis já foram discutidos na nossa revista a propósito da reunião ordinária do Grupo de Trabalho Financeiro bilateral (GTF) realizada em Xangai em meados de agosto.
A tudo isto podemos acrescentar a declaração feita uma semana depois pelo diretor da Reserva Federal dos EUA, Jerome Powell, sobre a próxima redução da taxa dos fundos federais. Até à data, o objetivo desta decisão está oficialmente condicionado pelas tendências da própria economia dos EUA. Vale a pena notar que a decisão já foi recebida positivamente na China.
Infelizmente, há muita negatividade em todos os domínios das relações entre as duas principais potências mundiais. Em primeiro lugar, devemos prestar atenção à esfera que é relativamente nova nas relações bilaterais, mas potencialmente a mais perigosa. Embora não tenha sido possível encontrar vestígios da sua discussão durante as negociações anteriores, a razão para tal é bastante clara.
A corrida ao armamento nuclear está a tornar-se uma realidade
As raízes da atual exacerbação do problema referido neste subtítulo remontam à segunda metade da década de 1990, quando a questão da adesão da Índia ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares se tornou particularmente aguda durante as negociações sobre a sua extensão. A Índia condicionou a sua adesão à apresentação, pelas cinco potências nucleares “oficiais”, de um plano faseado vinculativo de desarmamento nuclear. Na ausência de uma resposta positiva, a Índia aderiu de facto ao clube das potências nucleares, logo seguida pelo Paquistão. Em suma, a questão de uma nova ronda na corrida aos armamentos nucleares tornou-se uma questão de tempo, ou seja, de alteração das circunstâncias políticas.
Vinte anos mais tarde, começou o processo de deterioração grave da situação à escala global. Um dos membros dos “cinco” acima referidos, a China, começou a perguntar por que razão o atual líder mundial e nosso principal adversário geopolítico tinha milhares de ogivas nucleares, enquanto nós tínhamos apenas algumas centenas.
Até à data, Pequim tem mantido oficialmente uma doutrina de “dissuasão mínima”, excluindo a utilização de armas nucleares em operações militares. No entanto, o Pentágono considera que, se o Exército Popular de Libertação da China (ELP) dispuser de cerca de 500 ogivas nucleares em maio de 2023, esse número poderá duplicar até 2030. Uma das respostas a esta perspetiva foi um documento sobre a modernização do arsenal nuclear americano.
No entanto, uma das consequências mais desagradáveis dos próximos jogos nucleares que estamos a discutir é o facto de a Índia vir certamente a juntar-se à corrida. Já dispõe de todas as tecnologias necessárias, tanto no domínio dos veículos de lançamento como no das ogivas nucleares mais avançadas. Seguir-se-á o Paquistão e assim por diante.
Quanto aos sinais periódicos enviados à China sobre a adesão a algum tipo de processo de negociação sobre o desarmamento nuclear, Pequim considera impossível que a China participe num tal processo, dada a enorme disparidade com os Estados Unidos na dimensão dos seus arsenais nucleares. Há uma certa lógica nesta posição. Se é que se pode falar de lógica nesta questão, que parece estar reservada para “discussões” num manicómio.
Mas este problema não foi de todo levantado nas últimas conversações EUA-China. Apesar de as pessoas que chefiaram as duas delegações serem as mais qualificadas para o fazer.
As discussões sobre Taiwan e a situação no Mar do Sul da China estiveram no centro das conversações anteriores
É sabido que, nestas reuniões, cada uma das partes tenta sempre centrar a discussão nas questões que mais a preocupam no momento. A República Popular da China, por outro lado, está irritada com o aumento acentuado da atividade de Washington em Taiwan, que está a tirar partido do facto de o Partido Democrático Progressista estar a manter a presidência de Taiwan. Este foi um dos principais resultados das eleições parlamentares realizadas em janeiro deste ano.
Embora William Lai tenha obtido menos de 40% dos votos, isso não o impede de se posicionar como o “principal defensor da democracia” na ilha. Esta última é considerada ameaçada por um parlamento atualmente controlado pela oposição, que tenta alterar a legislação em vigor para ter alguma influência sobre o rumo político do presidente e do governo que este formar.
De momento, o presidente e o governo de Taiwan não estão a funcionar normalmente. Os Estados Unidos estão a tirar partido desta situação, tendo o Taipei Times noticiado que os chefes do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Conselho de Segurança Nacional de Taiwan foram “oficialmente recebidos e mantiveram conversações à porta fechada” em Washington, a 22 de agosto. A reação do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês foi imediata e previsivelmente dura.
Para Washington, a fonte de grandes problemas é o crescente protesto de um aliado fundamental na sub-região do Sudeste Asiático, as Filipinas. Ao mesmo tempo, esta histeria proporciona aos Estados Unidos uma oportunidade de fazer sentir a sua presença. Mas também tem o perigo de levar todo o complexo de relações com o principal adversário geopolítico para além dos limites da “competição controlada”. É precisamente isso que pode resultar da vontade expressa pelo chefe do Comando do Pacífico dos Estados Unidos, o almirante Samuel Paparo, de “escoltar navios filipinos” no Mar do Sul da China.
A declaração foi feita antes da chegada de J. Sullivan à China. Durante as suas conversações com Wang Yi, o político prestou especial atenção à situação no Mar do Sul da China. Ao mesmo tempo, não evitou questões relacionadas com Taiwan e problemas no comércio bilateral.
Em suma, a importância da reunião entre os líderes das duas principais potências mundiais aqui discutida deve-se ao próprio facto de ter tido lugar. Esta é, grosso modo, a conclusão a que chegaram os principais meios de comunicação social tanto dos Estados Unidos como da República Popular da China, citando ambos os participantes no evento.
Mas esta conclusão tem o seu próprio peso nestes tempos loucos.
Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
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