Pela sua história e geografia, a Turquia é a peça que conecta o puzzle das guerras atuais, a sul e a norte dos seus limites
Parece estar a confirmar-se o cenário que há uns tempos vos falara, de as duas actuais guerras, na Ucrânia e no Médio Oriente se fundirem, já não só num confronto direto entre a NATO e a Rússia e uma “grande guerra regional no Médio Oriente”, mas sim num cenário generalizado muito mais amplo e complexo, multi-vectorial, no qual confundir-se-iam ademais dos interesses nacionais, os sentimentos religiosos e étnicos, também na Europa.
Aqui foi referido também antes do Verão, da probabilidade de ataques no nosso continente (que felizmente não ocorreram nem no Euro da Alemanha, nem nos Jogos de Paris), fortemente policiados e militarizados. O alerta deve continuar válido na época que agora arranca, de muito movimento nas grandes cidades, convertidas nas últimas décadas num temerário “melting pot”.
O despertar de uma nova fase na guerra civil da Síria e o papel da Turquia, membro da NATO, no confronto aberto contra Damasco e a presença russa no Levante, poderá ser o factor-chave no desenvolvimento dos atuais cenários da Síria, Líbano e Ucrânia. Pela sua história e geografia, a Turquia é a peça que conecta o puzzle das guerras atuais, a sul e a norte dos seus limites.
A Turquia, que nas últimas duas décadas logrou muitos feitos ao saber jogar com a sua privilegiada posição, ora aproximando-se do mundo multipolar, o Sul Global e a Rússia, ora mantendo a sua relação na NATO, foi sendo usada por uns e outros e toleradas as suas aspirações neo-imperiais na sua vasta área de influência (desde os Balcãs aos estados túrquicos do grande Turan).
Ora esse período parece ter atingido o seu limiar. O Reino Unido, a França e principalmente os EUA, parecem agora exigir de Ancara um compromisso anti-russo firme. Com um hipotético uso da Turquia, que conta com o maior exército na Europa, e da sua renovada marinha desde a doutrina “Mavi Vatan” (Pátria Azul) do almirante Cem Gürdeniz dentro do conceito atlantista, pode alentar a esperança de Londres voltar a controlar o Mar Negro através das marionetas de Kiev e de Washington penetrar no Cáucaso, retaguarda crítica da Rússia.
A Turquia continua no entanto a ser um país extremamente volátil, nomeadamente a nível monetário, onde não conta com a soberania suficiente em relação ao sistema dólar, que a impossibilita de se negar a obedecer aos ditames estratégicos anglo-saxónicos. Uma negação por parte de Erdogan poderia valer-lhe o final da sua longa carreira política, num momento em que já não conta com o apoio popular de antes e encetar um período de instabilidade no seu território ou mesmo um golpe. O aviso foi dado por Obama em 2016, com a intentona militar dos güllenistas, mas em condições totalmente distintas das atuais.
Também é importante saber como vai a nova adminsitração norte-americana eleita lidar com esta peça do xadrez geopolítico. A relação pessoal e o diálogo entre Trump e Erdogan foram excelentes durante o primeiro mandato de Trump. A ativação do terrorismo do noroeste da Síria mesmo antes do final de carreira de Biden pode ser considerada como mais rasteira vingativa, ou mera coincidência?
Estejamos atentos ao desenrolar dos acontecimentos na Síria e ao papel de Ancara neste teatro. É dali que se ditará em boa parte a sorte do espaço que abrange o Mar Negro, Cáspio, Cáucaso, Mediterrâneo Oriental, Balcãs, Médio Oriente, Norte de África e Ásia Central. Para bom entendedor, meia palavra basta.
As ideias expressas no presente artigo / comentário / entrevista refletem as visões do/s seu/s autor/es, não correspondem necessariamente à linha editorial da GeoPol
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