Uma cisão na extrema-direita europeia, de cariz multipolar?


Pode-se afirmar que a AfD foi um dos grandes vencedores das eleições para o Parlamento Europeu na Alemanha. O partido da extrema-direita aumentou a sua votação em cerca de 5 por cento, tanto em relação às europeias de 2019 como às legislativas de 2021, tendo se convertido na segunda força política do país (15,9 por cento), somente atrás da União (CDU/CSU, com 30 por cento). Ademais, no voto juvenil (16-24 anos) – estas eleições incluíram pela primeira vez adolescentes de 16 anos –, ultrapassou os Verdes (11 por cento entre os jovens), assumindo a liderança neste segmento, com 17 por cento.

A corrida da AfD não esteve livre de controvérsia, uma vez que os grandes meios de comunicação orquestraram uma campanha que visava claramente alguns dos seus representantes, em particular o chefe de bancada em Bruxelas e cabeça de lista, Maximilian Krah. Agora, tudo isto se pode voltar contra a unidade do partido.

Escândalos potenciados pela imprensa

O primeiro escândalo que a imprensa associou à AfD este ano, foi a divulgação em janeiro, da reunião secreta de alguns elementos do partido e outros representantes da extrema-direita, mas também da estabelecida CDU, ocorrida em Potsdam em finais de novembro de 2023, para debater um “plano diretor para a remigração”. Tratar-se-ia de um projeto de expulsão e deportação maciça de imigrantes vivendo na Alemanha. A consequência imediata foi o debate sobre a ilegalização do partido – curiosamente ninguém se lembrou em debater a ilegalização da CDU – e uma campanha nacional contra o racismo e a extrema-direita em todas as frentes.

A nível externo, Marine Le Pen, líder do partido congénere francês Rassemblement National (RN), exigiu aos seus parceiros alemães no grupo Democracia e Identidade (ID) do PE, que se distanciassem do termo “remigração”, que entretanto já tinha sido incluído e popularizado no seu programa eleitoral.

O caso do «espião chinês»

Em abril, a polícia alemã fez uma rusga e prendeu no seu domicílio em Dresden, Jian G, um assessor da equipa de Krah, acusado de estar a passar informações sensíveis do PE a um serviço secreto chinês. Nada ficou comprovado, a não ser que o cidadão de origem chinesa, se tinha candidato e tinha sido rejeitado pelo BND, os serviços de inteligência alemães. Também foi referido na imprensa que o “o espião chinês” serviu de informador do Gabinete de Proteção da Constituição do estado da Saxónia – de onde ele e Krah são originários – pelo menos desde 2007. A notícia criou problemas internos no seio da AfD, que contemplou então a expulsão de Krah, que passou a ser visto com desconfiança dentro da muito significativa ala atlantista do partido. O eurodeputado afirmou então que Jian G. era um excelente conselheiro de temas comerciais com a China, e que não iria coibir-se de fazer tudo o que pudesse enquanto parlamentar alemão no PE, para defender os interesses comerciais da indústria alemã (em particular a automóvel), no gigantesco mercado chinês. Não obstante Jian G. foi demitido.

Em maio, a exclusão da AfD do evento Europa Viva 2024 (a que fizemos aqui referência) era outro sintoma dos problemas entre o RN francês e a AfD. Na semana seguinte, a direção de campanha do RN acusou Krah de ter “sobreposto as linhas vermelhas” ao declarar publicamente que durante a Segunda Guerra Mundial “nem todos os oficiais das SS eram criminosos”, e fez saber através do seu cabeça de lista, Jordan Bardella, que não queria fazer mais parte do mesmo grupo político da AfD no PE, e que “teremos novos aliados após as eleições”. Na realidade a animosidade entre Le Pen e Krah remonta-se à altura em que o alemão incluiu na sua equipa o francês Guillaume Pradoura, um antigo membro do RN, expulso do partido de Le Pen sob acusação de “antissemitismo”.

Logo após o êxito eleitoral de Krah no dia 9 de junho, a direção da AfD demitiu o cabeça de lista sem dar explicações, supostamente para que o partido pudesse continuar a fazer parte do grupo ID, liderado pelos franceses. No entanto Le Pen disse que a AfD, com ou sem Krah, não fará mais parte do grupo.

Cisão na extrema-direita de signo multipolar?

Krah disse em entrevista que está disposto a defender “aquilo que os seus votantes esperam”, e que não quer depender do beneplácito de partidos estrangeiros. Da mesma forma, a sua incompatibilidade com a líder nacionalista francesa poderá ter um contexto geopolítico mais profundo: “Penso que a nossa política externa deve ser aberta tanto a Leste como a Oeste. O mundo no futuro será cada vez mais global. O Sul Global será cada vez mais importante e a Alemanha deve desempenhar um papel de intermediação; com Meloni e Le Pen isso não é possível”, afirmou. Krah nasceu e cresceu no Leste da Alemanha, numa família conservadora e anti-comunista. Tinha 14 anos aquando da reunificação, e alistou-se imediatamente nas juventudes da CDU, com a qual se incompatibilizou somente em 2016, na sequência da crise dos refugiados.

Até à data da redação deste artigo Krah está sendo posto em causa, mas diz que ainda espera a readmissão da sua lista na AfD e propõe a criação de uma nova família política no PE. Mais um grupo de extrema-direita, talvez mais multipolar no plano internacional, mas de linha mais nacionalista e radicalmente anti-imigração no plano interno. Krah é também um irredutível defensor do livre mercado e rejeita as ideias de Estado social. Até há pouco contava com o apoio do líder da AfD no parlamento da Turíngia, Björn Höcke, conhecido como sendo da linha dura, feroz crítico dos EUA e retratado frequentemente pela imprensa como “neonazi e antissemita”.

Ainda que isolado e traído pelo partido, Krah representa uma linha de pragmatismo geopolítico em que quer relançar a Alemanha como potência industrial e comercial, numa via soberana e num mundo multipolar. É a ele que a AfD deve a sua nova liderança nacional entre o eleitorado juvenil. Para as eleições de dia 9 de junho, Krah usou profusamente as suas contas de TikTok, Twitter e Youtube e predispôs-se a ser entrevistado em canais alternativos, como no Jung und Naiv, que o entrevistou durante 6 horas e meia seguidas, um formato popular entre a juventude, com mais de um milhão de visualizações no Youtube.

Portanto, estejamos atentos ao que nos reserva a AfD nos próximos tempos, eles são agora a segunda força partidária da Alemanha, primeira no Leste do país.

Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook

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geopol.pt

ByRicardo Nuno Costa

Editor-chefe da GeoPol, é licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, com estudos posteriores em Comunicação Política. Estagiou política internacional no DN, em Lisboa.

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