Já se tornou repetitivo: a cada eleição americana, os europeus de todos os quadrantes, com ou sem responsabilidades políticas ou económicas, encontram-se num estado de expetativa ansiosa pelos resultados


Após o anúncio da vitória de Trump, instala-se a confusão, acompanhada de uma espécie de paralisia perante a incerteza sobre as acções a tomar. Trump continua a ser o grande vilão para a Europa, enquanto a sua segurança continua a depender fortemente dos Estados Unidos.

Quando confrontados com a manchete do Politico “Europe's Trumpian Nightmare” (O pesadelo trumpiano da Europa) e com a angústia acrescida de afirmações como "A Trump win would send a tsunami of panic" (Uma vitória de Trump provocaria um tsunami de pânico), é essencial basearmo-nos na racionalidade. Em vez de sucumbirmos à ansiedade auto-infligida, devemos procurar um caminho sustentável para o futuro.

A minha proposta para curar esta crise recorrente de ansiedade e desespero é apresentada em pormenor a seguir.

A Europa deve declarar a sua independência da tutela dos EUA

A Europa, com a sua longa história de poder e domínio na navegação, descobertas, conquistas, Iluminismo e revolução industrial, age agora como uma velha senhora reformada que precisa de proteção, sem saber como se defender.

Paradoxalmente, quanto mais a Europa se alinha com os EUA, mais profunda se torna a sua crise existencial, deixando a questão central por resolver. Alguns tendem a culpar Trump, como se fosse ele o único a ditar o destino da Europa. Na minha opinião, é altura de a Europa enfrentar esta situação com uma estratégia independente, em vez de depender dos EUA para ter segurança e fazer florescer a sua economia, porque isso não vai acontecer.

A Europa, através da União Europeia (UE), deve considerar cuidadosamente as palavras de um dos mais importantes estrategas americanos, Henry Kissinger:

Ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser amigo é fatal.

Esta afirmação põe em evidência uma verdade incómoda que a Europa parece não querer reconhecer: os EUA não são um parceiro fiável, uma realidade de que o Sul Global há muito se apercebeu.

Os interesses dos EUA estão sempre em primeiro lugar

Os Estados Unidos têm demonstrado repetidamente que dão prioridade aos seus próprios interesses em detrimento dos compromissos internacionais, pondo em causa a sua fiabilidade como parceiro. Ao longo dos anos, vários abandonos significativos de tratados e acordos evidenciam este padrão:

Tratado ABM (2001): Sob a presidência de George W. Bush, os EUA retiraram-se do Tratado de Mísseis Antibalísticos, originalmente assinado com a União Soviética em 1972. Este tratado tinha como objetivo limitar os sistemas de defesa antimíssil.

Tratado sobre as Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF) (2019): Os Estados Unidos abandonaram este tratado, assinado em 1987 para eliminar os mísseis nucleares de alcance intermédio, o que assinala uma mudança em relação a acordos de longa data.

Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) (2018): Os EUA saíram do acordo nuclear com o Irão, demonstrando uma vontade de abandonar acordos diplomatas norte-americanos com implicações críticas para a segurança global.

Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (CTBT) (1996): Antes destas retiradas, em 1996, os EUA optaram por não ratificar este tratado, que visa proibir todas as explosões nucleares, reflectindo uma relutância em comprometer-se com o desarmamento nuclear.

Tratado dos Céus Abertos (2020): Os EUA anunciaram a sua retirada deste tratado, que facilitava os voos de vigilância aérea desarmada sobre os países membros para criar confiança e transparência.

Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP): As negociações para este importante acordo comercial entre os EUA e a UE foram efetivamente interrompidas e não progrediram, o que indica uma falta de empenho na cooperação transatlântica.

Protocolo de Quioto (2001): Os EUA rejeitaram o Protocolo de Quioto, um acordo internacional destinado a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, o que ilustra a relutância em abordar as alterações climáticas.

Acordo de Paris (2015): Os EUA retiraram-se deste acordo histórico sobre o clima, mas voltaram a juntar-se a ele em 2021, demonstrando um compromisso flutuante com os esforços ambientais globais.

Tribunal Penal Internacional (TPI) (2002): Os EUA opuseram-se formalmente ao TPI e promulgaram a Lei de Proteção dos Membros do Serviço Americano, que visava limitar ou proibir a jurisdição do tribunal sobre o pessoal americano, mesmo aqueles que cometem crimes de guerra.

Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook

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Ricardo Martins

ByRicardo Martins

Ricardo Martins é doutorado em Sociologia com especialização em políticas da UE e Relações Internacionais. É investigador convidado na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos. Escreve para a New Eastern Outlook.

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