O interesse de Erdoğan em aderir aos BRICS reflete o desejo da Turquia de diversificar as suas alianças geopolíticas e, ao mesmo tempo, testar os limites da sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas diferentes


A aposta da Turquia nos BRICS: Porquê agora?

O interesse da Turquia em aderir aos BRICS resulta de várias razões, principalmente das suas ambições geopolíticas. O país está frustrado com o seu processo de adesão à UE, que tem registado poucos progressos nas últimas décadas. Além disso, a Turquia procura diversificar as suas alianças, reduzir a sua dependência do Ocidente e reforçar os laços com potências emergentes como a China, a Rússia e a Índia.

Esta proposta está em consonância com o seu objetivo de prosseguir uma política externa independente, em especial após as relações tensas com a NATO e as tensões em curso com os aliados ocidentais devido ao envolvimento da Turquia com a Rússia.

A longa espera da Turquia para aderir à União Europeia, que teve início na década de 1960, foi justificada pela UE com base em preocupações políticas, económicas e de direitos humanos, bem como em tensões geopolíticas, nomeadamente em relação a Chipre. No entanto, o antigo presidente francês Nicolas Sarkozy (2007-2012) manifestou a sua oposição e as verdadeiras razões pelas quais a Turquia não poderia aderir à União Europeia, declarando-a como uma linha vermelha da França, devido às diferenças culturais e geográficas da Turquia, nomeadamente a sua identidade predominantemente muçulmana, que a tornam inadequada para a adesão à UE. Em vez de uma adesão plena à UE, defendeu uma “parceria privilegiada” com a Turquia, invocando preocupações com a identidade e a coesão europeias. A antiga chanceler alemã Angela Merkel apoiou Sarkozy com os mesmos argumentos, afirmando que a tentativa da Alemanha de criar uma sociedade multicultural tinha “falhado completamente”.

A reação da UE à candidatura da Turquia aos BRICS foi formal, mas deu a entender potenciais contradições futuras:

Esperamos que todos os países candidatos à UE apoiem firme e inequivocamente os valores da UE, respeitem as obrigações decorrentes dos acordos comerciais relevantes e se alinhem com a Política Externa e de Segurança Comum da UE.

A candidatura da Turquia à adesão à UE está num impasse, com o país colocado no fundo da lista de prioridades do bloco, atrás dos candidatos dos Balcãs, bem como da Moldávia e da Ucrânia. Esta situação levou a Turquia a procurar outras parcerias económicas e geopolíticas, com os BRICS a surgirem como uma escolha natural.

Além disso, os recentes esforços da Turquia para melhorar as relações com o Ocidente, a fim de garantir apoio financeiro para as suas questões económicas, foram confrontados com exigências ocidentais no sentido de reduzir os seus laços económicos com a Rússia.

Ao aderir aos BRICS, que representam cerca de 40% da população e 28% do PIB mundiais, a Turquia pode colher benefícios em várias áreas, incluindo a diversificação económica, o financiamento alternativo e a influência geopolítica.

BRICS significa diversificação económica e financeira para a Turquia

A adesão da Turquia ao BRICS oferece oportunidades substanciais para a diversificação económica, uma vantagem fundamental, uma vez que o país obteria um acesso privilegiado a mercados globais mais dinâmicos. Os membros do BRICS estão estrategicamente localizados na América do Sul, África, Médio Oriente, Europa Oriental e Ásia.

Um dos principais benefícios que a Turquia poderia obter com a adesão aos BRICS é o acesso às instituições financeiras do grupo, nomeadamente ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Esta instituição pode proporcionar opções de financiamento alternativas para os ambiciosos projetos de infraestruturas e de desenvolvimento da Turquia, nomeadamente nos sectores dos transportes e da energia, ajudando a atenuar os seus atuais desafios económicos. Isto reduziria a dependência da Turquia dos sistemas financeiros ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que é frequentemente considerado politicamente restritivo.

Enquanto membro dos BRICS, a Turquia poderia também participar nos actuais esforços do bloco para reduzir a dependência do dólar americano, alinhando com os debates dos BRICS sobre a desdolarização. Isto ofereceria à Turquia novas alternativas financeiras, mecanismos de pagamento e rotas comerciais, aumentando a sua soberania económica e protegendo-a potencialmente de futuras sanções ocidentais.

Em termos de sanções, os fornecedores ocidentais estão atualmente a causar problemas na conclusão da central nuclear da Turquia, que está a ser construída pela Rosatom da Rússia, uma vez que o governo alemão está a impedir a Siemens de entregar componentes relevantes. Esta questão está a ser resolvida com fornecimentos da China.

Por último, como membro dos BRICS, a Turquia poderia exercer mais influência nas estruturas de governação global e alinhar-se com as nações que defendem um mundo mais multipolar, o que está de acordo com os objectivos da política externa de Erdoğan.

Benefícios da adesão da Turquia para os BRICS

Em contrapartida, os BRICS também poderiam beneficiar do facto de a Turquia ser membro. Aqui estão três razões principais: (i) Localização estratégica: A posição geográfica da Turquia como ponte entre a Europa e a Ásia reforçaria a influência do BRICS na Europa, no Norte de África e no Médio Oriente. Nomeadamente, Istambul, enquanto capital do Império Romano do Oriente e, mais tarde, do Império Otomano, foi considerada a encruzilhada do mundo (o centro do mundo) durante mais de mil anos; (ii) Impulso económico: A economia da Turquia, uma das maiores da região, acrescentaria peso ao BRICS tanto em termos de PIB como de poder regional; e (iii) Cooperação Sul-Sul: A Turquia, com a sua diplomacia soberana e corajosa, reforçaria a cooperação intra-BRICS, contribuindo para uma ordem global mais equilibrada e menos dependente das potências ocidentais.

Reacções dos EUA, da UE e da NATO

A UE e os Estados Unidos estão apreensivos com a potencial mudança da Turquia para os BRICS. Ambos receiam que o envolvimento da Turquia nos BRICS seja um sinal de afastamento das alianças ocidentais tradicionais, especialmente da NATO, o que poderia enfraquecer a sua influência na região.

A UE está particularmente desiludida com a mudança de prioridades da Turquia relativamente à sua candidatura de adesão. Embora Erdoğan não tenha declarado explicitamente que pretende retirar a candidatura da Turquia à UE, nenhum país rejeitou abertamente a possibilidade de aderir à UE. No entanto, muita gente em Istambul considera que a Turquia deve retirar a sua candidatura, pois acredita que foi posta de lado pela UE e o seu orgulho nacional e grandeza histórica não podem aceitar tal humilhação. A UE também está preocupada com o futuro das suas parcerias com a Turquia, especialmente no que respeita à gestão dos refugiados e dos migrantes.

Os EUA vêem o alinhamento da Turquia com os BRICS como um desafio à coesão da NATO, especialmente tendo em conta que a Rússia, um dos principais membros dos BRICS, está em conflito direto com os interesses ocidentais. Os laços crescentes da Turquia com a Rússia, através de iniciativas como a compra do sistema anti-míssil russo S-400, já prejudicaram a sua relação com a NATO e causaram fricções com os EUA no que diz respeito à cooperação em matéria de defesa.

Para a NATO, a aproximação da Turquia aos BRICS poderá causar divisões internas adicionais. Os membros da NATO podem começar a questionar a lealdade da Turquia para com a aliança, especialmente porque os membros dos BRICS, como a Rússia e a China, são vistos como adversários dos objectivos estratégicos da NATO. Os esforços da NATO estão atualmente centrados na luta contra a China no Indo-Pacífico e em relação a Taiwan. A mudança da Turquia pode prejudicar o seu papel no seio da NATO, levando a uma redução da cooperação ou mesmo ao isolamento da Turquia em relação a iniciativas de defesa fundamentais.

A Turquia poderá também enfrentar desvantagens económicas e políticas por parte do Ocidente. Os EUA e a UE poderão impor sanções ou limitar os acordos de defesa e comerciais, o que poderá ter repercussões económicas significativas para a Turquia. Além disso, Ancara corre o risco de ficar diplomaticamente isolada das potências ocidentais, perdendo influência em questões regionais importantes como a Síria, o Mediterrâneo e as suas relações com o Médio Oriente em geral. O tradicional ato de equilíbrio da Turquia entre o Oriente e o Ocidente pode acabar por afectar as relações com ambas as partes.

Implicações geopolíticas para a nova ordem mundial

Independentemente disso, a inclusão da Turquia nos BRICS reflectiria uma mudança mais ampla no sentido de uma ordem mundial multipolar, em que as economias emergentes procuram contrabalançar o domínio ocidental. Os EUA estão particularmente preocupados com este alinhamento, uma vez que os BRICS têm criticado a hegemonia financeira ocidental, especialmente o domínio do dólar americano. Os Estados Unidos não podem permitir o fim da hegemonia do dólar, pois, nesse caso, o seu declínio como potência hegemónica mundial seria ainda mais rápido. A adesão da Turquia reforçaria a influência geopolítica dos BRICS, desafiando a atual ordem mundial dominada pelo Ocidente.

A candidatura da Turquia aos BRICS representa, portanto, uma mudança estratégica no panorama geopolítico mundial, sobretudo porque a Turquia é membro da NATO e ocupa uma localização estratégica, incluindo o controlo do acesso ao Mar Negro.

Conclusão

O desejo da Turquia de se juntar aos BRICS assinala a sua ambição de desempenhar um papel mais influente num mundo multipolar. Este passo poderá redefinir a posição da Turquia no seio da NATO, complicar as relações com a UE e elevar o seu estatuto no âmbito dos quadros de governação mundial. Para os BRICS, a adesão da Turquia solidificaria a sua crescente influência, enquanto o Ocidente, especialmente a NATO e os EUA, enfrentaria desafios ainda maiores para manter a Turquia totalmente alinhada com os interesses ocidentais.

Na opinião de Erdogan, o alinhamento com os BRICS permite à Turquia reforçar os laços económicos com os mercados emergentes em rápido crescimento e ganhar maior influência global. Erdoğan vê os BRICS como um potencial contrapeso ao domínio ocidental nos assuntos internacionais, particularmente nas instituições financeiras e políticas. A adesão da Turquia traria benefícios económicos, como o aumento das oportunidades de comércio e investimento com as nações BRICS, juntamente com o acesso a novas estruturas financeiras como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), que poderia ajudar a aliviar alguns dos actuais desafios económicos da Turquia.

A possível adesão da Turquia aos BRICS não reflecte apenas o seu desejo de alianças diversificadas, mas também a sua procura de um papel mais proeminente no mundo multipolar emergente, à medida que Erdoğan testa os limites da sua capacidade de equilíbrio entre dois sistemas globais.

Peça traduzida do inglês para GeoPol desde New Eastern Outlook

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ByRicardo Martins

Ricardo Martins é doutorado em Sociologia com especialização em políticas da UE e Relações Internacionais. É investigador convidado na Universidade de Utrecht, nos Países Baixos. Escreve para a New Eastern Outlook.

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